Mostrando postagens com marcador E. F. Oeste de Minas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador E. F. Oeste de Minas. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Cesar Cadolino e o elo entre a Estrada de Ferro D. Pedro II e a Estrada de Ferro Oeste de Minas

 No Relatório do Ministério do Império de 1838, à página 32, encontra-se a primeira referência a uma estrada de ferro em São João del-Rei, naquele momento cabeça da Comarca do Rio das Mortes e a zona mais fértil do Império com proximidade ao Rio de Janeiro. A proposta dessa ferrovia era a de conectar a então importante praça comercial mineira à Corte.

Essa ligação é o que podemos chamar de primeiro requerimento interprovincial brasileiro influenciado pelo avanço das estradas de ferro globalmente e pelo Decreto-Lei nº 101, de 1835. Se o Decreto-Lei era fruto de uma proposta legislativa encampada pelo estado Imperial para uma grande ferrovia ou uma rede interconectada que ligaria o Rio de Janeiro ao Rio Grande - ao sul - e à Bahia - ao norte -, o requerimento de Cadolino se faria o primeiro de um particular enquadrado naquele contexto.

Relatório do Ministério do Império de 1838, p. 32.

Até recentemente, a fama do “italiano” estava ligada a eventos do Primeiro Reinado, mais especificamente ao grupo de corte da imperatriz Maria Leopoldina de Áustria. Sabe-se que Cadolino, proveniente do norte da Península Itálica – região sob influência do Império Austro-Húngaro –, veio para a América como indicado de Maria Luísa de Áustria, irmã de Leopoldina e segunda consorte/viúva de Napoleão Bonaparte.

No Rio de Janeiro, seguiu uma carreira militar de rápida ascensão, aparecendo como tenente do Imperial Corpo de Engenheiros em 1826 e, em 1828, já em promoção de capitão a major. Além de cumprir as funções da corporação como engenheiro, tendo sido responsável, entre outras obras, pelos Aquedutos da Carioca (posteriormente chamados de Aquedutos da Lapa), foi um usurário (popular “agiota”) na praça carioca, se aproveitando da carência de bancos e moeda circulante. Inclusive, essa última característica é a que ficou mais forte para a posteridade.

Segundo o biógrafo de Leopoldina, Paulo Rezzutti, o major pode ser um dos verdadeiros autores de uma carta creditada à imperatriz, até recentemente tratada como autêntica por historiadores. Ele é forte candidato a tê-la traduzida ao português, sendo um dos quatro estrangeiros a registrar o documento em 1834, ao procurar Joaquim José de Castro, tabelião do Público Judicial e Notas na Corte do Rio de Janeiro. “Os outros três eram Johann Martin Flach, L. Buvelot e Carlos Hindrichs”.[1]

Portanto, percebe-se que, mesmo após a morte de Leopoldina, de quem Cadolino foi secretário a partir de sua vinda para o Rio de Janeiro, e de Pedro I do Brasil – IV de Portugal –, Cesar Cadolino permaneceu integrado à sociedade carioca e, possivelmente, com relações comerciais e/ou financeiras com a praça da Comarca do Rio das Mortes, da qual São João del-Rei era a cabeça. Essa perspectiva dá sentido ao requerimento para construção de uma ferrovia entre São Cristóvão, no Município Neutro do Rio de Janeiro, e a cidade mineira de economia mais dinâmica na década de 1830.

Apesar de não prosperar em tal projeto, já que a concessão para uma estrada de ferro entre o Rio de Janeiro, Minas Gerais e o Vale do Paraíba do Sul acabou sendo outorgada ao médico homeopata escocês, Thomas Cochrane, não se pode negar a lógica comercial do intento. E, nem mesmo Cochrane foi o responsável pela ferrovia, ao fim das contas, já que esta não seria construída até que o estado imperial tomasse as rédeas para contratar a construção do que se tornaria a Estrada de Ferro D. Pedro II. No entanto, é interessante perceber que, em 1871, em sua contínua construção dentro da província de Minas Gerais, os engenheiros da EFDPII projetaram dois ramais da grande ferrovia do Império que se encontrariam em São João del-Rei, um passando pelo Paraibuna a partir de Entre Rios (atual Três Rios) e outro passando pela região do Rio Grande, partindo da estação Vargem Alegre (entre Barra do Piraí e Volta Redonda, RJ).



Estudo de Joaquim M. R. Lisboa, John William [João Guilherme] de Aguiar, Francisco Pereira Passos, Antônio Augusto Fernandes Pinheiro e Francisco José Gomes Calaça para a EFDPII sentido São João del-Rei/Lagoa Dourada em Minas Gerais. FONTE: AN. Resumo dos trabalhos relativos à linha do centro sobre as explorações feitas pelos engenheiros Whitaker, Passos, Pinheiro, Calaça e J. M. R. Lisboa. 1871.

A conexão que Cesar Cadolino imaginou em 1838 não foi realizada por ele, mas não foi realizada tampouco pela própria Estrada de Ferro D. Pedro II na década de 1870. O projeto de Lisboa, Aguiar, Passos, Pinheiro e Calaça de 1871 foi todo refeito durante aquela década, sendo removida a ideia do ramal entre Vargem Alegre e São João e permanecendo o outro até o Sítio (atual município de Antônio Carlos), porém, desviando para as Taipas (Carandaí) e Queluz (Conselheiro Lafaiete), ao invés de seguir o Rio das Mortes até São João.

O contexto dessa mudança se deveu à lei provincial mineira nº 1982, de 11 de novembro de 1873, que estabelecia contrato os concessionários José de Rezende Teixeira Guimarães e Luiz Augusto de Oliveira, para uma estrada de ferro de bitola estreita entre um ponto da Estrada de Ferro D. Pedro II, nas vertentes do Rio das Mortes, até um ponto navegável do Rio Grande. Portanto, o que antes seria parte da EFDPII foi assumido pela Estrada de Ferro Oeste de Minas.

Marco zero da E. F. Oeste de Minas em Sítio, 1880, no referido “ponto” da E. F. D. Pedro II. Fonte: BN. EFDPII. Collecção de 44 Vistas Photographicas da Estrada de Ferro D. Pedro 2º, 1881, p. 27.

Publicação originalmente encontrada em Trilhos do Oeste.



[1] REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina, a História Não Contada: a mulher que arquitetou a independência do Brasil. Rio de Janeiro: LeYa, 2017, cap. 13.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Para não dizer que não falamos das cores

Readaptado de publicação originalmente postada no blog 

Por Welber Santos

Quando se pesquisa sobre algo que entrou na casa de centena de anos tprna-se um pouco complicado para saber informações sobre as cores, quando não há acesso a documentos escritos ou a desenhos referentes ao objeto pesquisado.
Este é o caso dos curiosos que inveredam sobre a reconstituição imagética de um patrimônio de 130 anos.
A E. F. Oeste de Minas costumava, como era comum nos tempos de tração a vapor, utilizar a cor verde como elemento do esquema de cores de suas locomotivas. O fato é que as fotografias que possuímos do período em que essa era a razão social da estrada (1880-1931) são anteriores à chegada ao público dos negativos em cores (1836). Aliás, mesmo para a década de 1960 era ainda bastante raro a utilização da fotografia a cores devido ao seu alto custo.
No esforço de reconstituir o esquema de cores histórico das locomotivas da ferrovia que nos é  aqui apresentada, cruzamos uma fotografia de fábrica de 1911 e as cores apresentadas pela única locomotiva que permaneceu, bem ou mal, com resquícios das cores apresentadas ainda na década de 1920.
Entretanto, nos últimos meses nos foi apresentada a coleção de documentos da The Baldwin Locomotive Works, as fichas de encomenda de locomotivas a partir de 1869. E foi a partir das fichas das locomotivas da Oeste de Minas da Classe 10-18-D, exatamente as ten-wheeler de 1911 e 1912, que ora vos apresentamos a reconstituição cromática da pintura original.

Especificações para as locomotivas Classe 10 18 D de 1911, originais EFOM de 39 a 41, atuais RFFSA/IPHAN 37 e 38 (a 39 foi sucateada em 1979). Fonte: Railways and Railroads: Photographs, Manuscripts and Imprints. Baldwin Locomotive Works, Engine Specifications, 1869-1938. DeGolyer Library, Southern Methodist University. Dallas, Texas.

 Foto de fábrica da locomotiva ten-wheeler (4-6-0) RFFSA/SR-2 37 (EFOM 39, EFOM 107, RMV-Oeste 107, RMV 37, VFCO 37), BLW 37082. Foto de Baldwin Locomotive Works)

Locomotiva American Standard (4-4-0) EFOM 1 (RMV 1), preservada com as mesmas cores desde a década de 1920. Foto de Jonas Augusto de Carvalho.

Locomotiva ten-wheeler RMV-Oeste 111 (EFOM 43, EFOM 111, RMV-Oeste 111, RMV 41, VFCO 41, RFFSA-SR2 41). Acervo NEOM-ABPF.

O resultado do casamento das imagens está nos seguintes quadros:


Quadro esquemático das transformações visuais da locomotiva ten-wheeler EFOM 43 (EFOM 111, RMV-Oeste 111, RMV 41, VFCO 41, RFFSA/SR-2 41). Desenho de Jonas Augusto de Carvalho.

No esquema original de cores, tínhamos a predominância do preto, com "quadros" de fundo verde, linhas exteriores, números e logomarca em dourado, e linhas interiores, mais finas e paralelas às douradas em vermelho.
Quadro esquemático de duas fases visuais da locomotiva ten-wheeler EFOM 39 (EFOM 107, RMV-Oeste 107, RMV 37, VFCO 37, RFFSA/SR-2 37). Desenho de Jonas Augusto de Carvalho.

Aí o leitor se pergunta: para que diabos esses malucos querem saber disso?
Diríamos que a memória é matéria prima da História, e entender o processo de mudança visual das ferrovias é também vislumbrar como se deu o processo de transformação/formação de determinadas instituições. Além disso, como patrimônio nacional tombado que é o remanescente da Estrada de Ferro Oeste de Minas, poderemos, assim que possível, refazer visualmente, nas próprias locomotivas, carros e vagões, um pouco do que cada um desses bens móveis já foram em períodos difetentes da História da estrada de ferro que por tantas administrações diferentes passou; de companhia de capital privado em 1877 a ferrovia estatal a partir de 1903 até 1996, entre administrações federais (1903-1931/1953-1996) e estadual (1931-1953).
Não podemos esquecer dos colegas ferreomodelistas, muito interessados em "detalhes sórdidos" como esses.





Reconstituição do esquema de cores realizada por Jonas Augusto.