sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Locomotivas a vapor “articuladas”: o sistema Klien Lindner



Por Jonas Augusto M. De Carvalho

Com a implantação de ferrovias em terrenos difíceis, onde a via férrea encontrava condições limitadas para sua construção, contornando da forma possível o relevo, o gabarito final obtido era muitas vezes extremamente restritivo, sendo que o material rodante a ser utilizado em tais vias era "refém" dessas limitações.
Uma combinação complexa resultava das péssimas condições dessas ferrovias: curvas de raios muito curtos, rampas e contra-rampas pesadas resultando em um enorme desafio para os fabricantes de material rodante ferroviário, sobretudo de locomotivas.
As locomotivas necessárias para tais linhas férreas deveriam entregar o máximo esforço de tração com a maior aderência possível para vencer os obstáculos impostos. Isso implicava na adoção do maior número de eixos motores possível visando favorecer a aderência da locomotiva nas rampas. Um problema: maior quantidade de eixos motrizes implica em uma base rígida maior para a locomotiva o que a impede de se inscrever em curvas apertadas como as que eram encontradas nessas ferrovias de condições tão restritivas.
Diversas experiências foram realizadas visando uma solução para este problema. Foram desenvolvidos diversos sistemas de articulação para locomotivas, inclusive a articulação dos eixos motrizes.
Será abordado neste breve artigo o sistema Klien Lindner de articulação de eixos, que é um dos mais conhecidos. Foi inventado e patenteado na Saxônia em 1890 por dois engenheiros ferroviários alemães da Royal Saxon State Railways: Ewald Klien e Heinrich Lindner.
Apesar da fama do sistema Klien Lindner e de ser apontado muitas das vezes como o "primeiro do tipo", cabe esclarecer que um sistema muito semelhante já havia sido desenvolvido na Inglaterra em 1881 por Sir Arthur Percival Heywood, denominado "eixo radial", tendo no entanto sido pouco difundido.

Conceito

A 'invenção" de Klien e Lindner visava dar maior 'flexibilidade" às locomotivas, permitindo, assim, que elas se inscrevessem em curvas de raio reduzido. A idéia consiste em um eixo central fixo que recebe a força dos cilindros da locomotiva e transmite para um eixo externo oco onde estão fixas as rodas. Esse eixo oco é capaz de girar sobre o eixo interno permitindo assim que as rodas façam um ângulo para se adequarem ao raio da curva.




O funcionamento desse sistema é bastante simples: o eixo interno fixo trabalha como qualquer eixo convencional de locomotiva a vapor. Montado em locomotivas com configuração "out-side frame" (longeirão externo), é preso ao mesmo através dos mancais. Seus únicos movimentos são a rotação e o deslocamento vertical devido ao funcionamento normal da suspensão da locomotiva. Recebem o movimento das demais rodas motrizes convencionais através das braçagens.
A engenhosidade fica por conta do eixo oco externo, montado sobre o eixo interno atravéz de uma rótula central e um grande pino fixo que trabalha dentro de um canal do eixo externo. Este pino transmite a força motriz do eixo interno para o externo ao qual estão presas as rodas motrizes. Além disso, o eixo externo é montado sobre braços radiais que permitem que o mesmo e, consequentemente, as rodas  movam-se lateralmente, permitindo assim que a locomotiva se "adeque" às curvas. Ao entrar na reta, o eixo externo retorna à posição "convencional" pois o mesmo é controlado por molas centralizadoras que se encarregam de sempre realinhá-los.



Para a utilização desse sistema, a locomotiva precisava ser na configuração "outside-frame" e ter no mínimo 3 eixos motrizes. O eixos Klien Lindner eram montados nas extremidades do conjunto motor (1º e último eixos) sendo o(s) central(is) convencional(is).


Aplicação

O Klien Lindner foi mais aplicado em bitolas estreitas (menores que 1m) sendo raros os casos de adoção em bitolas largas. A configuração mais usual das locomotivas dotadas desse sistema era 0-8-0T.
O tipo mais conhecido de locomotiva a utilizar esse sistema de eixos sem dúvida foram as 0-8-0T de bitola 0,60m "Brigadelok" (locomotivas de brigada) fabricadas para o exército alemão entre 1905 e 1919. Foram mais de 2.800 construídas por catorze fabricantes diferentes, sendo os principais a Henschel & Sohn e a Orenstein & Koppell.
Com o término da Primeira Guerra Mundial, a maioria dessas locomotivas foi vendida a preços módicos em todo o mundo. No Brasil houve compradores para essas locomotivas, inclusive o Exército que, além das locomotivas usadas, adquiriu unidades novas até por volta de 1930 com bitolas variando entre 0,60m e 1,00m. Outro usuário conhecido no Brasil dessas locomotivas foi a EFCB que as adquiriu para utilização em suas pedreiras.
Pelo menos três dessas locomotivas adquiridas pela EFCB sobreviveram, sendo uma preservada no Museu Ferroviário de São João del-Rei; uma na estação ferroviária de Ouro Preto e uma na antiga estação ferroviária de Sete Lagoas.

 - Da esquerda para a direita: locomotiva preservada no museu ferroviário de São João del-Rei; locomotiva preservada na estação ferroviária de Ouro Preto; por fim, a locomotiva preservada na antiga estação ferroviária de Sete Lagoas.


Conclusão

Trata-se, portanto, de um engenhoso sistema que, apesar do grande número de locomotivas construídas, não foi amplamente utilizado (ficou basicamente restrito ao modelo "Brigadelok"). Apesar de ser simples em seu funcionamento, era exigente em termos de manutenção. Descarrilamentos eram comuns quando os eixos Klien Lindner eram utilizados como eixos principais. Os eixos muitas vezes sofriam desgaste desigual, irregular, além de serem caros de se manter. Essa manutenção mais cara não era compensada pela redução do desgaste dos frisos das rodas e dos trilhos, colocando o sistema em desuso.