terça-feira, 7 de outubro de 2025

O CARRO “PRESIDENCIAL” DA OESTE DE MINAS

 Por Jonas Augusto M. de Carvalho

Breve Histórico 

 

No início do século XX uma das principais obras em andamento da Estrada de Ferro Oeste de Minas era sem sombra de dúvidas a “Linha de Angra”, obra essa iniciada ainda no final do século anterior, partindo de Barra Mansa.

Durante as obras vários fatos se desenrolaram, a começar pela liquidação forçada da Cia. Estrada de Ferro Oeste de Minas, declarada pelo Juiz-substituto Júlio e Castro Raja Gabaglia, em 11 de maio de 1900, que significou naquele momento a interrupção dos trabalhos. A retomada deu-se somente após a aquisição da Oeste de Minas pelo governo brasileiro em 13 de junho de 1903.

A construção de tal linha remonta à concessão dada ao engenheiro Augusto Alberto Guimarães de Azevedo por meio de decreto do governo do Estado do Rio de Janeiro, de maio de 1891, para a construção e uso de uma estrada de ferro com a bitola de um metro que, partindo da cidade de Angra dos Reis, cruzasse a Serra do Mar e, acompanhasse o vale do Rio Pirahy até as proximidades do Rio Claro, seguindo dali em diante até as cabeceiras do Ribeirão da Barra Mansa, terminando na cidade de mesmo nome.

A Cia. Estrada de Ferro Oeste de Minas adquiriu essa concessão em 20 de abril de 1893; logo em seguida os trabalhos de construção foram iniciados a partir de Barra Mansa, com o preparo dos 10 primeiros quilômetros do leito, sob a direção do engenheiro Augusto Toscano de Britto. Em abril de 1895, foi contratado com o governo do Estado do Rio de Janeiro um empréstimo de 30 contos por quilômetro a ser construído, de acordo com a autorização constante da lei fluminense n°. 156, de 16 de novembro de 1894.

Em 1897 ficaram prontos cerca de 62 quilômetros, que foram postos em trafego, com a inauguração, em 15 de maio, das estações de Ataulpho de Paiva, Antônio Rocha, Rio Claro e Capivary (hoje Lídice).

Na descrição de Toscano de Britto “A linha é em geral de trafego difícil e construção penosa. O vale do rio Barra Mansa pelo qual se desenvolve na extensão de 19 quilômetros, atravessando-o cinco vezes, é apertado, sinuoso e profundo. Ali o projeto apresenta cortes repetidos de 15 metros de altura, alguns de 18 metros, sendo os terrenos em geral heterogêneos, com grandes estratificações, que irão produzir e já estão produzindo frequentes desmoronamentos.”

Fato é que em 1903 a nova administração da Oeste de Minas encontrou em tráfego apenas 42 dos 62 quilômetros então existentes, correspondendo ao trecho entre Barra Mansa e Rio Claro estando, portanto, interrompido o de Rio Claro até Capivary. Foi necessário então reconstruir o trecho de 20 quilômetros, de Rio Claro a Capivary, o qual foi inaugurado/reinaugurado em 2 de novembro de 1910.

O desafio para construção da linha foi enorme; foram necessárias 11 pontes nesse trecho, todas de vão livre, sendo que duas tinham cerca de 40 metros, ambas sobre o Rio Capivary, sendo batizadas como Nilo Peçanha e Francisco Sá.

Após tantas dificuldades e desafios, para a inauguração a diretoria da Oeste de Minas encomendou um carro de luxo nos Estados Unidos, com tudo o de melhor disponível, conforme noticiado na época:

“Para a inauguração, a directoria da Oeste de Minas mandou montar um magnifico carro-salão americano, de luxo, com trucks de três rodas, reunindo as condições de maior conforto possível á bitola de um metro.”

Na inauguração estiveram presentes a bordo desse carro o então presidente do Brasil, Nilo Peçanha, o Ministro da Viação e Obras Públicas, Francisco Sá, dentre outras autoridades, fato que também contribuiu para a aquisição desse veículo.

- O carro na ocasião da inauguração do trecho da Linha de Angra, a frente da composição especial, passando pela ponte Francisco Sá, também inaugurada na ocasião. 


     A conclusão da “Linha de Angra” em sua totalidade levou mais de três décadas diante dos grandes desafios, sejam os topográficos, sejam os financeiros, com diversas interrupções nos trabalhos. As obras se iniciaram em 1893 e a estação final, Angra dos Reis, foi inaugurada somente em 15/04/1928, fato que demonstra também a importância que fora dada para a inauguração de cada trecho conquistado.     

Sobre o carro especificamente, foi construído em 1910 pela Harlan & Hollingsworth Corporation em Wilmington, Delaware, EUA que, desde 1904 era propriedade da Bethlehem Shipbuilding Corporation, Ltd., ficando conhecida como “Harlan Plant”. A encomenda foi feita por intermédio da Norton, Megaw & Co, Ltd., representante exclusiva no Brasil, localizada na cidade do Rio de Janeiro.


- Propaganda da Norton, Megaw & Co, Ltd. publicada na Brazil Ferro Carril em 1913.

O realmente magnífico carro veio equipado com truques de três eixos – único da Oeste de Minas até onde se sabe com essa característica, caixas de graxa Symington, freio a ar comprimido Whesting House, dínamo e acumuladores J. Stone, engates automáticos do tipo Ibbotson, ampla “varanda” frontal com guarda-corpos de metal e acabamentos de bronze, toldos retráteis, além de confortáveis cadeiras de vime. Para além, imagina-se, diante das características de carros contemporâneos, que o mesmo ainda possuía ventiladores elétricos, lavatório, sanitário e leitos uma vez que infelizmente não foram encontradas mais informações.

- Em 1913 o carro já apresentava uma nova pintura, simplificada em relação à original além dos toldos da varanda terem sido removidos.

Nota-se através das poucas fotografias disponíveis que o mesmo sofreu alterações ao longo do tempo (em curto período diga-se de passagem); em 1913 já havia recebido uma pintura simplificada, sem os adornos e filetes, além de terem sido removidos os toldos e, em 1922, já estava convertido para sistema de freio a vácuo Eames, além de ter recebido um grande limpa trilhos de madeira na frente, que motivou também a remoção do engate Ibbotson e a instalação de uma “maromba” em seu lugar.

- Em 1922 já apresentava o sistema de freio modificado para vácuo do tipo "Eames", além de um limpra-trilhos instalado na sua dianteira.

Até o momento não foi possível determinar até quando esse carro se manteve ativo e quando o mesmo foi baixado e demolido. De toda forma esse exemplar extraordinário não recebeu a merecida atenção na época e não foi preservado para a posteridade.

Referências:

VAZ, Mucio Jansen. Estrada de Ferro Oeste de Minas – Trabalho histórico-descriptivo, 1880-1922. São João del Rei: EFOM, 1922.

LLOYD, Reginald. Twentieth Century Impressions of Brazil: Its History, People, Commerce, Industries, and Resources. London: Lloyd's Greater Britain Publishing Company, 1913, p. 256.

BN. Brazil Ferro Carril, Ano I, edição nº 11 de novembro de 1910, p. 9. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=161730&pesq=&pagfis=333. Acessado em: 25/09/2025.

BN. Brazil Ferro Carril, Ano IV, edição nº 44 de 30 de abril de 1913, p. 157. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=161730&pesq=&pagfis=1917. Acessado em: 25/09/2025.

BN. Fon-Fon! Semanario Illustrado, Ano IV, edição nº 46 de 12 de novembro de 1910, p. 14. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/docreader.aspx?bib=259063&pasta=ano%20191&pesq=&pagfis=5603. Acessado em: 25/09/2025.

Archive. Car Builders’ Cyclopedia Of American Practice, Tenth Edition. New York, N. Y.: Simmons-Boardman, Publishing Company Woolworth Bldg., 1922, p. 1091. Disponível em: https://archive.org/details/carbuilderscyclo0000vari_10ed/mode/2up. Acessado em: 25/09/2025.

 

 

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